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Publicado em 8 de Outubro de 2024

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Competências para educar na era da IA e os desafios do contexto brasileiro

Ana Paula Almeida, Andreza Garcia Lopes, Maria Clara Martins Rocha e Maria Regina Lins

Competências para educar na era da IA e os desafios do contexto brasileiro 


Ana Paula Almeida, Andreza Garcia Lopes, Maria Clara Martins Rocha e Maria Regina Lins


 


É possível afirmar que a inteligência artificial (IA) tem desde suas origens pilares  interdisciplinares. Estudos que deram origem ao campo da “aprendizagem de máquina”,  que compõe atualmente parte da área de IA, tiveram um neuropsicólogo e um matemático, Warren McCulloch e Walter Pitts, respectivamente, como seus pioneiros.  Estes, em 1943, anunciaram em uma publicação a criação do primeiro neurônio artificial  (BASILIO, 2020). 


Na Conferência de Dartmouth, realizada em 1956, John McCarthey e um grupo de  cientistas cunharam o termo "inteligência artificial", marcando o início formal deste vasto  campo de estudo. Na mesma época, os primeiros programas de xadrez demonstravam  atividades de raciocínio. Na década de 1960, Alan Turing desenvolveu o "teste de Turing",  que visava determinar se uma máquina era inteligente. O teste consistia na interação de  uma pessoa com uma máquina através de um teclado e monitor, sem saber se estava  conversando com um humano ou máquina. Se a pessoa não conseguisse distinguir, a  máquina seria considerada aprovada. Assim, Alan Turing ficou conhecido como o "pai da  inteligência artificial". 


Nas décadas seguintes, cientistas da computação focaram no desenvolvimento  de tecnologias para áreas mais específicas, como a medicina e a indústria. A IA  sub-simbólica, por sua vez, também chamada de IA conexionista, foi desenvolvida para a  área médica, com ênfase em redes neurais artificiais e algoritmos de aprendizado. Após  o sucesso na saúde, a IA conexionista foi aplicada em diversas áreas, incluindo o deep  learning, com avanços significativos a partir dos anos 2000, especialmente com o 

surgimento de técnicas de processamento de linguagem natural. Dessa maneira, a  inteligência artificial passa a ser usada em várias indústrias e serviços comerciais com  algoritmos avançados, incluindo redes neurais convolucionais e adversárias generativas  (aprendizagem profunda constituída de duas redes neurais competitivas, fornecendo a  falseabilidade dos dados gerados) (FERRAREZI, 2023). 


Ainda que possua um viés interdisciplinar, a IA é oficialmente um ramo da ciência  da computação que pesquisa algoritmos e sistemas capazes de simular processos  cognitivos humanos. Esses sistemas podem aprender com dados e tomar decisões. São  capazes de realizar tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana, como  reconhecimento de padrões, tomada de decisões e processamento de linguagem  natural. 


Longe do ostracismo, o desenvolvimento tecnológico passou a estar cada vez  mais presente na sociedade. Em nossas casas, no trabalho, nas escolas, quando temos  que solicitar algum serviço, seja ele médico ou simplesmente para solicitar que o seu  dispositivo toque a sua canção preferida. O que vem nos permitindo esse avanço é o  desenvolvimento da IA, que através da programação dos algoritmos, consiste em tentar  fazer com que os sistemas pensem e ajam como humanos. 


Com o seu maior aprimoramento, as IAs se expandem com aplicabilidade e  acesso também no campo educacional. Assim, uma complexidade de desafios e  oportunidades surgem na discussão sobre uso responsável, ético e consciente da IA, e  apontam para a regulamentação desse uso. Em um sentido prático, a IA apresenta  oportunidades significativas para aprimorar o processo de ensino-aprendizagem. Tal  como, desafios e riscos que compelem uma mobilização geral tanto daqueles que  compõem essa área em alguma instância como das políticas públicas que a envolvem. 


Com a introdução da IA no campo educacional a Unidade de Tecnologia e  Inteligência Artificial em Educação da UNESCO, buscou orientar governos, sistemas  educacionais e professores no uso adequado da IA com a publicação do documento  intitulado “Currículos de IA para a educação básica: um mapeamento de currículos de IA  aprovados pelos governos” (2022). Nesta pesquisa foram analisados  internacionalmente 14 currículos aprovados pelos governos para o ensino da IA na  educação básica. Diante dessa análise foram destacadas as concepções, conteúdo e  implementação desses currículos a fim de orientar o desenvolvimento de um marco de  ação sobre competências em IA. 


Levando em consideração as recomendações da Unesco sobre currículos de  Inteligência Artificial, o Brasil se apresenta como um país atrasado em relação a outros que já possuem currículos regulamentados. Isso ocorre devido a evidente desigualdade  socioeconômica do cenário educacional brasileiro, especialmente durante a pandemia,  que destacou a falta de acesso à tecnologia para educação remota. Este cenário também  colocou em xeque o alcance da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que deixa em  aberto essa necessidade tecnológica. Isso ressalta a necessidade de investimento e  monitoramento das políticas públicas existentes para reduzir as disparidades  educacionais e sociais no país. 


A BNCC, o documento normativo da educação básica, lança os alicerces para a  elaboração dos currículos das redes públicas e privadas. Elaborado em 2017, este  documento traz uma nova proposta educacional sob a luz de dez Competências, distribuídas na aquisição de habilidades e conhecimentos a serem desenvolvidas ao  longo do processo educativo, visa, contudo, a constituição de sujeitos aptos para o  exercício da cidadania e do trabalho (ARAUJO, 2024). A elaboração dessas  competências avança no que diz respeito a habilidades digitais, dentro do contexto da  cultura digital (conforme as competências número 5 e 4), destacando-as a partir da  formação crítica e ética. 


É oportuno ressaltar que a resolução CNE/CP 25/2022 propõe a inclusão do  componente curricular "computação e suas tecnologias" visando fazer uma integração  dos processos educacionais com o letramento digital e as competências digitais dentro  da educação básica. A resolução é capaz de especificar quais são as habilidades que  os alunos precisam desenvolver no decorrer do processo educacional para atingir essas  competências digitais integrando a cultura digital. Dessa maneira fica evidente a  necessidade de formação dos educadores para que esse processo se efetive. 


Tais documentos normativos na área da educação buscam promover a integração da cultura digital, mas não abordam o uso da Inteligência Artificial de forma direta. Para que os educadores estejam preparados para lidar com os avanços da IA, é essencial adquirirem competências digitais relacionadas à tecnologia, como pensamento computacional, programação e ética digital. A integração eficaz da IA no ensino permite personalizar a aprendizagem, automatizar tarefas administrativas e promover a inovação pedagógica, sem negligenciar as competências emocionais necessárias para o desenvolvimento dos alunos. A colaboração entre tecnologia e habilidades humanas é fundamental para preparar os alunos para um mundo cada vez mais tecnológico, mantendo a importância dos relacionamentos interpessoais. 


Conforme análise da Unesco (2022) no que tange aos currículos de IA, estão consideradas três categorias: Fundamentos de IA que compreende as áreas temáticas de algoritmos e programação; alfabetização em dados; resolução de problemas contextuais, a categoria da ética e impacto social que englobam as áreas temáticas de ética da IA; implicações sociais da IA; e a categoria da

compreens

ão, utilização e desenvolvimento de IA

com as seguintes áreas temáticas: aplicações de IA para outros domínios; compreensão e utilização de técnicas de IA; compreensão e utilização de tecnologias de IA; e desenvolvimento de IA. 


Diferentemente do contexto internacional analisado pela Unesco (2022), a integração da IA nas escolas brasileiras requer políticas públicas que incentivem um currículo apropriado às TIC (Tecnologias, Informação e Comunicação). Sobretudo, pensar em planos emergenciais para a formação e atualização dos educadores em competências relacionadas à IA para garantir uma educação de qualidade e alinhada com as demandas do século XXI. A formação continuada dos profissionais da educação, aliada a políticas educacionais inclusivas e investimentos em tecnologia, são  fundamentais para preparar as escolas brasileiras para a era da IA e promover uma  educação inovadora, equitativa e centrada no aluno. 


Educar na era da IA significa estar preparados para utilizar e compreender essas  tecnologias e assim, preparar os alunos para utilizá-las de forma crítica e ética,  desenvolvendo habilidades de resolução de problemas complexos, colaboração e  pensamento crítico. A IA também pode ser explorada no campo da criatividade, usada  como instrumento de capacitação para essa habilidade humana, como recurso de  expressão, comunicação e ideias inovativas. 


O debate entre IA e educação é necessário e constante. É por este meio que a IA  apresenta novas perspectivas sobre o papel da escola, especialmente no contexto  sociocultural com a colaboração entre humanos e IA. Isso impacta os currículos, a  formação de professores e alunos, e a infraestrutura tecnológica das escolas. Esse  debate se estende sobre como a IA pode ser utilizada para estimular o aprendizado e  apoiar os professores na sala de aula, minimizando os impactos negativos. 


O atual momento é de confluência entre IA e educação, segundo Pereira e Moura  (2023), e, é o que leva a indagar sobre a necessidade de formação para o uso crítico e  responsável das ferramentas de IA. Formação que vise o letramento em IA como uma competência para o exercício da cidadania, devendo ter, portanto, um maior alcance na sociedade brasileira. Considerando a educação escolar como base fundamental para a formação do sujeito, torna-se importante mencionar que o contexto educacional brasileiro deve estar preparado para as transformações digitais que estamos vivendo. 


Embora a urgência da preparação para o uso da IA na educação esteja latente, ainda não há muitas evidências de quais os passos a serem tomados para que esse processo se estabeleça com a velocidade necessária e equiparada aos avanços da IA na sociedade. Para além das regulamentações já em processo e da garantia da BNCC no que tange às competências digitais, novas estratégias precisam ser exploradas para fomentar e assegurar que esse processo não aumente a desigualdade social do país no contexto educacional. 


Contudo, os cenários da educação no que tange a inserção da IA ainda não estão  solidificados, carecem de uma base que promova desde a formação e atualização dos  professores para lidar com essa tecnologia em sala de aula, além da infraestrutura  tecnológica nas escolas. Exemplificando, o sistema educacional brasileiro se divide entre  privado e público, que se caracteriza por um distanciamento entre alunos que estudam  em escolas estruturadas e equipadas tecnologicamente e outros que possuem  dificuldade até mesmo de deslocamento para chegar ao centro escolar. O  desenvolvimento ágil da IA exige que os educadores, mesmo diante dessa discrepância  do cenário social brasileiro, se adaptem às novas tecnologias e metodologias,  preparando-se para integrar a IA de forma eficaz em suas práticas pedagógicas.  Dessa forma, a IA se torna uma aliada do processo pedagógico, voltando-se para a  tendência de uma educação mais eficiente, personalizada e acessível, em outras  palavras, apoiando uma mudança educacional. 


Referências 

ARAUJO, Camila Sabino. Inserção da inteligência artificial na educação. Revista  Ilustração, Cruz Alta, v. 5 , n. 2, p. 53-60, 2024. Disponível em: https://journal.editorailustracao.com.br/index.php/ilustracao/article/view/301/240. Acesso em: 4 jul. 2024. BASILIO, Rodrigo. Decodificação de estados cognitivos utilizando neuroimagem e  métodos de aprendizado de máquina. 2020. 114f. Tese. (Doutorado em Ciências  Médicas) - Programa de Pós Graduação em Ciências Médicas. Instituto Dor Pesquisa e  Ensino, Rio de Janeiro, 2020. FERRAREZI, Thiago. Tipos de IA: Características e aplicações. Inteligência Artificial  (IA). Aula Online: EBAC, 2024. PEREIRA, Ives da Silva Duque, & MOURA, Sergio Arruda de. Theoretical explorations  and opportunities for curricular integration of artificial intelligence (ai) literacy in basic  education. SciELO Preprints. 2023. Disponível em:  https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.7294. Acesso em: 3 jul. 2024. UNESCO. Currículos de IA para a educação básica: um mapeamento de currículos de  IA aprovados pelos governos. Paris: UNESCO, 2022. Disponível em:  https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000380602_por. Acesso em: 5 jul. 2024.



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